sexta-feira, 10 de outubro de 2008

meu grande encontro

Com mais de 150 teatros, 200 companhias, a maior escola de improv (teatro e comédia de improviso) dos Estados Unidos, grandes companhias de renome mundial e pelo menos três escolas de cinema, de fato, Chicago é um ótimo lugar pra ser ator.
É daqui a Second City, a escola de Improv de onde vieram Bill Murray e quase todos os atores do Saturday Night Live. É aqui a casa do Steppenwolf Theatre, companhia de teatro de ensemble fundada por John Malkovich entre outros, do Chicago Shakespeare Theatre - que é premiado até por ingleses, do Goodman e do Lookinglass.
Em termos de treinamento, há várias escolas independentes e pelo menos cinco grandes universidades com departamento de teatro. Três faculdades de cinema (Columbia, Art Institute e Northwestern) têm produções constantes de filmes dos estudantes, proporcionando assim um rico espaço para aprendizado de todos os envolvidos, atores, diretores e equipe.
No centro, há quatro teatros que oferecem o que eles chamam de "Broadway in Chicago". Muitos musicais ficam mesmo residentes na cidade por meses a fio, como é o caso de Wicked, que tem desde 2005 um elenco local e o mesmo sucesso de Nova York. Outros fazem sua estréia aqui, como mercado teste antes de levarem o show para a Big Apple.
Mas a cidade é feita mesmo de seus teatros pequenos. Qualquer sala escura onde caiba um palco e pelo menos 40 lugares, vira espaço de performance. Com tantas companhias independentes, é fácil conseguir trabalho e adquirir experiência.
Além dos profisisonais e companhias ligados ao sindicato, aqui também se faz muito teatro profissional não sindicalizado. É por isso que tantos atores vêm primeiro pra cá, antes de se decidirem por batalhar um lugar ao sol na costa leste ou oeste - Nova York ou Los Angeles.
Eu não sabia de nada disso quando decidi estudar teatro aqui.
Desde menina eu sempre quis ser atriz, e artes cênicas foi o resultado de um teste vocacional que eu fiz antes da faculdade. Mas, pelo visto, naquele momento eu não estava pronta pra encarar o desafio de ser artista num país em desenvolvimento. Optei por jornalismo e, dentro dele, televisão.
Tive a benção de trabalhar sempre com cultura, cobrindo música, dança, fotografia, artes plásticas, cinema e, é claro, teatro. Por mais que eu sempre tivesse profunda admiração por todos os artistas que tive o prazer de entrevistar, eu sempre tinha uma pontada no estômago quando entrevistava atores e atrizes. Uma pontada de inveja. Da grossa. Eu queria mesmo era estar do outro lado da entrevista.
Cada matéria que eu fazia com profissionais anunciando seus workshops e cursos, eu prometia pra mim mesma que iria me inscrever e participar. Mas, óbvio, nunca dava. Jornalismo é uma profissão de dedicação integral.
No entanto, eu não conseguia ficar longe das artes dramáticas, que insistiam em aparecer misteriosamente no meu destino. Por exemplo, quando eu ia começar a apresentar o programa Palco na TVCOM, ganhei de presente da emissora um curso de interpretação.
Foi idéia da Alice Urbim, diretora de especiais da RBS - talvez inconscientemente iluminada por uma visão profética. A TV tinha ganho uma vaga num curso de interpretação para TV (por Thais de Campos e André Cerqueira, da Rede Globo) e Alice achou que seria ótimo pra mim.
Completamente surpresa pela oferta, lá fui eu, direto pra aula que começava em poucas horas. Foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Aquele fim de semana foi fundamental para minha desenvoltura frente às câmeras, mas principalmente, porque ali foi plantada mais uma sementinha, que só mais tarde eu viria a entender.
Logo que mudei pra Chicago, meu visto não me permitia trabalhar. Passei vários meses depressiva sem saber o que fazer da vida, e ao mesmo tempo com um mundo de possibilidades à minha frente. Eu tinha ali a chance de começar tudo de novo, tinha um livro em branco pra poder escrever um novo caminho, um novo destino.
Criei coragem e procurei o Chicago Actors Studio. E foi ali que tudo começou. Depois fiz Act One e outros cursos independentes.
Atuar é um ofício que eu tive que aprender do zero. E como eu não gosto de fazer nada mal feito - por um medo danado de queimar meu filme - levei quase três anos pra me sentir apta a participar de testes.
Todos os anos, quando não estou em cartaz ou filmando, faço novas oficinas e cursos, sempre crescendo, sempre acrescentando novas ferramentas. Sinto falta às vezes de não ter tido uma formação acadêmica, mas na prática, isso não me impede de ter as mesmas oportunidades que meus colegas com diploma.
Todos os dias me dou conta da tremenda sorte que eu dei em vir parar aqui. Como se fosse golpe do destino mesmo. A palavra vocação, os americanos traduzem também como "calling", um chamado. Por mais que eu tenha tentado escapar desse chamado, no final, o teatro me achou, me seduziu, me envolveu e, agora, completamente entregue, não tenho mais planos de me esquivar deste grande caso de amor.

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