quinta-feira, 26 de março de 2009

martini shot

Aprendi esse termo Hollywoodiano na madrugada de domingo para segunda-feira.
Eram quatro da manhã quando finalmente terminamos de filmar minha última cena para o "Fallen Souls". Claro que, como toda boa lei de Murphy que se preze, a minha cena mais importante no filme inteiro foi a última da madrugada, quando eu já estava exausta por estar no set há mais de nove horas.
Mas valeu.
O fato de o diretor ter me dado uma atençãozinha especial fez muita diferença. Me chamou de canto, me incentivando, ajudando assim com que eu desse o melhor de mim naquele momento.
Sorte também que a cena acontecia justamente após uma batalha entre eu (uma arcanja) e o minion (um demônio menor). Ou seja, eu pude usar o cansaço físico da Petrucia (atriz), em parte como a exaustão física da Gabriele (personagem) pós-batalha.
Mais uma vez, posso dizer que foi super bom trabalhar com o Steve Hiller. O cara tem uma puta experiência em Hollywood e é super gente fina.
Pelas duas da matina, comecei a reparar que a equipe técnica resolveu pegar mais leve e abrir umas latinhas de M.iller Light. Embora eu não seja fã da marca, naquela altura, fiquei salivando por uma cervejinha também.
Assim que o diretor ficou contente com os takes, e gritou "wrap", pra indicar o final do dia, eu imediatamente fui averiguar se ainda restava alguma lata no cooler do meu desejo. E restava. E eu abri a M.iller bem feliz, com toda a satisfação de dever cumprido.
Estou envolvida com esse filme há mais de três anos. Passei por várias alterações de elenco, roteiro e equipe nessa longa trajetória em busca de verbas pra poder rodar.
E agora a-ca-bou. Ao menos a minha parte.
Enfim, quando Ric Arthur, meu colega de cena e herói do filme, me viu com a cerveja na mão, ele perguntou se era meu martini shot. E depois de me explicar o termo usado para indicar um drink que vem após a última filmagem, ou o último shot de alguém (um trocadilho com "shot" - de filmagem e "shot" - de bebida), eu sorri e brindei -ao som de um aliviado, "oh yeah".

sábado, 21 de março de 2009

equinócio

Ontem começou a tão esperada primavera. Vi duas mini tulipas amarelas na frente do prédio. As primeiras corajosas a se aventurarem nessas temperaturas que ainda apenas insistem em beirar o positivo.
Outro sinal da nova estação é a chegada da estupidamente estridente e insuportável musiquinha do caminhão de sorvete.
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Acabei de ver "Two Lovers". Belo filme. E um trabalho belíssimo, visceral e inesquecível do brilhante Joaquin Phoenix (e também da Gwineth que estava ótima). Vamos ver agora se ele vai seguir insistindo que abandonou a carreira de ator.

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Acabo de assistir da janela algum vizinho desconhecido do bairro chegando de skate carregando uma tela imensa em branco, pronta para pintar, e mais uma sacola da Pearl, loja de materiais de arte.
Realmente, nada como uma subida no termômetro e a mudança na luz solar pra acordar a criatividade e a vontade de viver intensamente em todos nós.
Agora sim começa o ano!

sexta-feira, 20 de março de 2009

transitando entre os séculos

Vi ontem no Jornal Nacional (via Globo int.) que foi lançado no Brasil o novo vocabulário ortográfico da língua portuguesa. Com certeza preciso ter acesso a esse livro. Morando longe, estou bastante por fora das modificações e sigo escrevendo à moda antiga.
Quando criança, lembro-me bem de ficar surpresa ao encontrar a palavra "assúcar" nos cadernos de receita da minha avó materna. E mais velha um pouco, achar esquisito minha outra avó escrevendo "húmido", assim, com "H".
Hoje percebo que vou ter de fazer um esforço razoável para me atualizar, evitando que eu me sinta uma senhora do século anterior me fazendo passar por uma mulher moderna com blog no século XXI.
Ensaiando para "Unsung Stars" tenho pensado muito nos nossos hábitos humanos. Nossas modas, nossos costumes e posturas que se alteram de uma época para a outra.
Essas mulheres astrônomas que estamos retratando no espetáculo são da virada do século XIX para o XX. Portanto, uma intensa pesquisa de época é absolutamente necessária para compor a personagem.
Imersas em fotografias do observatório de Harvard naquela época (as poucas fotos a que temos acesso), estudos de moda, costumes, biografias, filmes que retratam 1900 a 1920, vamos montando o quebra-cabeça do que teria sido a vida dessas mulheres dentro e fora do ambiente de trabalho.
Já elas estarem trabalhando com ciência era algo absolutamente inovador numa época em que mulheres podiam trabalhar apenas como enfermeiras, professoras primárias ou operárias de fábricas. Aí mora justamente a importâncias dessas nossas estrelas não cantadas, abrindo caminho para a população feminina participar do pensamento e do fazer científicos.
O processo da companhia The Moving Dock é todo baseado no método de Michael Checkhov, ou seja, tudo parte do corpo do ator/ atriz.
É uma delícia compor personagens dessa forma, com tempo de explorar qual o centro dominante, seja o desejo/vontade (pelvis), sentimento (peito), ou a cabeça; encontrando também imagens que nos auxiliem a compreender e incorporar a forma como uma personagem específica expressa cada um desses centros.
No caso de Cecilia Payne-Gaposhkin, a astrônoma que eu estou fazendo, o centro mais importante dela é a mente -com a imagem de explosões estelares em constante expansão para auxiliar meu corpo a expressar minha certeza de sua compulsão visionária.
No centro do coração Cecília é toda praticidade, não se permitindo sentir. Essa é uma mulher que morreu de câncer no pulmão em 1979, sem um resmungo de dor sequer. Ela não sabia lidar bem com emocões intensas, muito menos expressá-las, mas era ao mesmo tempo amável com as pessoas.
Para esse centro, escolhi a imagem de uma balança, dessas antigas com pesinhos sendo acrescentados de um lado e outro, sempre em busca de um contido equilíbrio.
Para o centro da vontade, minha imagem para Cecília é um touro puxando o arado - de energia inesgotável, devagar e certo uma vez que posto em movimento. Ela era de uma determinação notável sendo a primeira mulher a receber um PhD em Radcliffe ousando afirmar de que são feitas as estrelas.
Ela veio da Inglaterra para os Estados Unidos porque descobriu que jamais conseguiria trabalhar com astronomia no seu país de origem. Cruzou um oceano atrás de uma oportunidade porque se recusava a ser professora infantil depois de ter terminado uma faculdade em física e astronomia.
Ela ajudou outros, um Russo, Sergei Gaposhkin a vir para os EUA também para poder trabalhar. Depois casou com ele, bem tarde (para os padrões do período), já aos 34 anos, e teve três filhos, dos quais cuidou enquanto escrevia papers, ensinava em Harvard e viajava o mundo apresentando suas pesquisas.
Ela tinha medo de altura, se achava feia e tinha um ouvido musical perfeito. O primeiro livro que ela lembra de sua infância era a Odisséia de Homero, cujas palavras ela ouviu repetidas vezes enquanto ouvia atenta, acomodada nos joelhos de sua mãe.
Cecília é um prato cheio. Quanto mais mergulho na sua autobiografia, mais me encanto com ela.
Ainda estou em plena fase exploratória, buscando imagens, movimentos, sensações do que seria ser Cecília chegando na América em 1923 para uma fellowship que mudaria sua vida.
Tanta ebulição numa sociedade onde muito pouco podia ser demonstrado.
Aqui um dos grandes desafios é encontrar a vida interna da personagem e expressá-la através da silhueta vertical, os gestos pequenos sempre junto ao corpo, a delicadeza da linguagem da época Eduardiana, de uma sociedade polida e que se sentia confortável sendo assim.