sexta-feira, 9 de julho de 2010

síndrome de viralatas

Nelson Rodrigues. Que saudades que eu tinha de ti. De tuas palavras saídas de páginas de livros de coletâneas, de livros contendo teu teatro necessário. E como eu tinha ainda mais saudades de ouvir tuas palavras projetadas da boca dos teus fãs mais fiéis: os atores. Os seres dionisíacos, que em seu ofício de auto-sacrifício mediúnico, dão vida e víscera às tuas idéias.
Nelson Rodrigues. Não interessa que já te foste. Não interessa que escreveste há décadas tuas crônicas. Teu brilhantismo é atual como nunca. E apesar de não compartilharmos o mesmo tempo, me sinto mesmo assim próxima de ti.
Ontem fui ver "Bravíssimo", espetáculo onde Ricardo Guilherme, um cearense genial que eu não conhecia, brinca, compila e reorganiza várias de tuas crônicas num resultado cativante e contundente.
Apesar do cenário simples, apenas uma mesa de vidro, cadeira de escritório e uma pilha de papéis almaço - que Ricardo, um a um, rasga, joga, embola, amassa e mastiga - eu não consegui desgrudar olhos e ouvidos por um segundo de tudo que foi vertido naquele palco.
E me identifiquei, ora com a vizinha gorda, de mãos fofas de gorda e cheia de varizes, que é insolente e acredita -como deve acreditar todo o brasileiro - que se os fatos são contra ela, pior para os fatos; ora com a voz educada e o discurso cheio de self-hatred da diáfana grã-fina das narinas de cadáver.

  
"Há quinhentos anos não fazemos outra coisa senão perder. Afinal de contas, subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos e séculos. Subdesenvolvimento é a derrota cotidiana, a humilhação de cada dia e de cada hora. E a grã-fina das narinas de cadáver ainda vem dizer ao pobre diabo brasileiro: 'vá perdendo, continue perdendo, aprenda a perder com serenidade e equilíbrio'. "


Tuas palavras Nélson, redesenhadas e ditas por Ricardo ontem, me deixaram envergonhada das vezes em que eu também falei mal dos brasileiros, duvidando da nossa glória, e acreditando idiotamente na superioridade infinita de um outro continente e um outro povo, só por terem uma história ocidental mais antiga que a nossa.
É justamente pelo nosso jeito ímpar de ser, que eu voltei pra cá. Para voltar a ser brasileira, no Brasil,
essa terra meio faery, meio reino elemental. E sim, concordo com a idéia de que o brasileiro é um fauno saído de uma tapeçaria. Essa terra parece pertencer a uma realidade paralela, uma outra dimensão, para a qual eu precisava retornar, sob pena de perder para sempre minha força vital que dela emana.
Me fez muito bem ver "Bravíssimo". E me fez muito bem ver o trabalho do Ricardo Guilherme, me fez lembrar porque eu amo o Teatro do jeito que eu amo.
Enfim, recomendo. Muito. Para quem estiver em São Paulo, "Bravíssimo" fica em cartaz só até esse domingo, dia 11. E tem entrada franca.

Espetáculo Bravíssimo
Datas: de 01 a 11 de julho de 2010
Horário: de quinta-feira a domingo, às 19h
Local: CAIXA Cultural São Paulo - Praça da Sé, 111 – Grande Salão
Entrada: franca (os ingressos poderão ser retirados na bilheteria com uma hora de antecedência)
Capacidade: 100 lugares
Duração: 60 min
Classificação etária: 14 anos
Patrocínio: Caixa Econômica Federal

tudo

Estou em falta. Sei não nego, escrevo quando puder.
Minha mudança chegou finalmente semana passada. Depois de um mês inteiro parada no porto de Santos. Foi um mês bem difícil. Mas a chegada... a chegada de nossas coisas todas... que delícia. Veio tudo. Com pequenas, pequeníssimas falhas, lascas ou número de copos quebrados. Tá tudo aí. E com tudo, voltou a minha certeza de que posso sim transferir tudo que acumulei culturalmente, intelectualmente, experencialmente, espiritualmente e pessoalmente em todo esse tempo de Estados Unidos para cá. Para essa nova etapa da minha vida, de volta ao meu país querido, minha pátria amada. Agora sim, estou em São Paulo. De mala e cuia. Bem, falta a cuia, que como boa gaúcha vou ter que pedir para alguém mandar uma novinha lá do sul, que a nossa quebrou e o poronguinho que recebia nossa erva mate ficou lá... em algum lixão do estado de Illinois, ou sei lá para onde onde Chicago manda seu lixo. Mas a bomba tá aqui, firme e forte. E também eu. Agora mais forte. Procurando me estabelecer. Aberta a oportunidades de comunicação, de atuação, de tudo.