quarta-feira, 24 de junho de 2009

36 comentários sobre dramaturgia por José Rivera

Meu amigo Jesus Contreras postou esse texto no FB, e decidi traduzi-lo.

José Rivera é um dos mais bem sucedidos dramaturgos latinos nos Estados Unidos. Ele também fez o roteiro de Diários de Motocicleta – dirigido por Walter Salles, e agora os dois também estão preparando juntos “Celestina”, um filme adaptado da peça “Cloud Tectonics”, um trabalho lindíssimo de Rivera.


Aqui estão 36 comentários sobre playwriting por José Rivera:

1. Boa dramaturgia é uma colaboração entre seus muitos ‘eus’. Quanto mais múltiplas suas personalidades, mais fundo e longe você vai.


2. Teatro está mais próximo da poesia e da música do que da novela (literária).


3. Não há tempo limite para escrever peças. Pense no escrever como um aprendizado de vida inteira. Imagine que vai ter suas melhores idéias no seu leito de morte.


4. Escreva para organizar o desespero e o caos. Para viver intensamente. Para brincar de deus. Para projetar uma versão idealizada do mundo. Para destruir o que mais odeia no mundo e em si mesmo. Para lembrar e e esquecer. Para mentir para si mesmo. Para brincar. Para dançar com a linguagem. Para embelezar a paisagem. Para lutar contra a solidão. Para inspirar aos outros. Para imitar seus heróis. Para trazer de volta o passado e ressucitar os mortos. Para atingir a transcendência de si. Para lutar contra os poderes no comando. Para disparar alarmes. Para provocar discussões. Para estimular conversas sobre grandes escritores do passado. Para evoluir ainda mais a forma artística. Para perder-se em seu mundo fictício. Para ganhar dinheiro.


5. Escreva porque quer mostrar algo. Mostrar que o mundo é uma merda. Mostrar o quão frágeis são o amor e a felicidade. Mostrar os processos do seu ego. Mostrar que a democracia está em perigo. Mostrar o quão interconectados nós somos. (cada ‘mostrar’ é ativo e deve ser pessoal, profundo e verdadeiro).


6. Cada frase de diálogo é como um pedaço de DNA; contendo a peça inteira e sua tese; potencialmente revelando o início, meio e fim da peça.


7. Esteja preparado para arriscar sua reputação por completo cada vez que escrever, se não for assim, não vale o tempo da sua platéia.


8. Aceite seu bloqueio criativo. É a natureza salvando árvores e a sua reputação. Escute e tente entender sua origem. Geralmente o bloqueio acontece porque em algum momento do trabalho você mentiu para si mesmo e seu subconsciente não quer deixar você ir além até voltar, apagar a mentira, afirmar a verdade e recomeçar.


9. Linguagem é uma forma de entretenimento. Uma linguagem bela é como música bela: diverte, inspira, mistifica, ilumina.


10. Ritmo é chave. Use tantos sons e cadências quanto possível. Pense o diálogo como música percussiva. Pode variar a velocidade, número de batidas por linha, volume, densidade. Pode usar silêncios, fragmentos, frases alongadas, interrupções, sobreposições, atividade física, monólogos, bobagens, outras línguas.


11. Varie seu tom sempre que possível. Sobreponha alta seriedade com linguagem provocativa com beleza lírica com violência com humor negro com assombro e erotismo.


12. Ação não precisa ser óbvia. Pode ser o sólido aprofundamento da situação dramática ou os movimentos emocionais da sua personagem de uma condição psicológica para outra: da ignorância para compreensão, da fraqueza para a força, doença para completude.


13. Invista algo realmente pessoal nos seus personagens, mesmo que seja algo do seu pior ‘eu’.


14. Se o realismo é tão artificial quanto qualquer gênero, procure criar o seu. Se teatro é uma arte onde se faz obras únicas, você tem controle total do seu universo fictício. Quais são suas leis físicas? Como é a gravidade? O tempo? Quais as regras de causa e efeito? Como seus personagens se comportam nesse universo alterado?


15. Escreva com os seus órgãos. Com seus olhos, seu coração, seu fígado, sua bunda – escreva com o seu cérebro como o último recurso.


16. Escreva com todos os seus sentidos. Esteja preparado para desenhar na página: revele exatamente o que vê, sente, ouve, toca e que gosto tem esse mundo. Nunca deixe o design em aberto, isso inclui o elenco.


17. Encontre sua tribo. Eduque seus colaboradores. Leve fé no seu pessoal e seja fiel a eles. Busque compatibilidade estética e emocional com quem trabalha. Entenda a visão de mundo do seu diretor porque essa visão vai dar a cor do seu trabalho.

18. Busque ter seu próprio gênero. Grandes obras representam o gênero criado em torno da voz do autor. O gênero Chechov. O gênero Caryl Churchill.


19. Busque criar papéis que atores que você respeita seriam capazes de matar pela chance de fazer.


20. A forma segue a função. Tente refletir o conteúdo da peça na forma da peça.


21. Use a literalização da metáfora para discutir o estado emocional interno dos seus personagens.


22. Não tema arriscar um grande tema: morte, guerra, sexualidade, identidade, destino, deus, existência, política, amor.


23. Teatro é a explicação da vida para os vivos. Tente aliviar os ruídos conflitantes do viver, e crie algum padrão e ordem. Não é tanto uma explicação da vida quando uma receita para compreendê-la, uma carta de navegação, um confidente com respostas, o suficiente para guiar e encorajá-lo, mas não ditando o que fazer.


24. Arrisque extremos emocionais. Não seja puritano. Seja sexy. Seja violento. Seja irracional. Seja desleixado. Seja aterrorizante. Seja idiota. Seja colorido.

25. Idéias podem ser inseridas nas interações e reações da personagem; podem estar na música e poesia da sua forma. Você pensa e gera idéias constantemente. Uma peça tem de incorporar esses pensamentos, e esses pensamentos podem servir como a energia unificante da sua peça.


26. Uma peça deve ser organizada. Essa é outra palavra para estrutura. Você organiza uma refeição, seu guarda-roupas, seu tempo – por que não sua peça?


27. Se esforce para ser misterioso, não confuso.


28. Pense em informação numa peça como um soro no hospital – liberando gota a gota o suficiente para manter o corpo vivo, mas não demais de uma vez só.


29. Pense no escrever como uma batalha constante contra a inércia natural da linguagem.


30. Escreva em camadas. Tenha tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo numa peça em cada instante quando possível.


31. Faulkner disse que o grande drama é o coração em conflito com si mesmo.


32. Se mantenha por cima com o constante questionamento do seu trabalho. Reaja contra. Seja hipercrítico. Faça no próximo o que você tentou, mas falhou em conseguir no último.


33. Escute apenas as pessoas que investem no seu futuro.


34. Personagem é a obsessão materializada. Um personagem deve ser inacreditavelmente faminto. Não há descanso para aqueles personagens até que eles satisfaçam suas necessidades.

35. Em todas as suas peças faça questão de incluir ao menos uma coisa impossível. E não deixe seu diretor lhe convencer do contrário.

36. Um escritor não pode viver sem uma voz autêntica – o lugar onde você é mais honesto, mais lírico, mais completo, mais criativo e novo. É isso que você luta para encontrar. Mas a voz autêntica não sabe escrever, assim como a gasolina não sabe dirigir. Mas dirigir é impossível sem combustível e escrever é impossível sem o calor e a força da sua voz mais autêntica. Aprender a escrever bem é para workshops. Aprendendo bons hábitos e praticando muito. Mas encontrar sua voz verdadeira como escritor é com você, sua jornada - sua viagem particular, solitária, inexata, dolorosa, lenta e confusa. Professores e mentores podem aproximá-lo dessa voz. Com sorte e tempo, você chega lá sozinho.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Luna cool

comecei meu laboratório de dramaturgia organizada pelo Teatro Luna.
Uma vez por mês vou sentar numa mesa com Latinas para lermos nossos textos, trocar apoio mútuo e cobranças também. O ambiente perfeito para uma pessoa com sérias deficiências disciplinares como eu!
Lemos duas cenas da peça que comecei na aula do Chicago Dramatists e elas curtiram muito. Acharam com potencial ótimo... personagens super claros e very entertaining.
Decidi que preciso concluir ao menos uma das peças que tenho começadas. Um dos meus professores do Dramatists disse que a diferença entre um dramaturgo com textos montados e um sem textos montados é que o primeiro termina os textos. :)
Mas o que mais me chamou atenção com as meninas na terça-feira foi justamente a questão cultural.
Veja bem, eu estou acostumadérrima a grupos de mulheres. Faço parte de um women circle, que são grupos espirituais e acabei de fazer um espetáculo com 16 mulheres que ensaiam juntas desde Fevereiro. Ou seja.. não me falta experiência de participar de reuniões e grupos de americanas.
Mas... bastou eu chegar na sala e dividir a mesa com outras latinas e, imediatamente, me veio toda a familiaridade que sempre senti nesses grupos no Brasil.
Imediatamente, há um interesse na vida das pessoas, conta-se coisas íntimas que evocam compreensão de quem escuta, e um sentimento simplesmente de estar em casa!
Eu me senti em casa num grupo de dez mulheres onde eu apenas conhecia uma delas.
De certa forma, fiquei chocada com isso. Mas um "chocada" bom. Chocada feliz.
Chocada, porque me dou conta que de algum modo eu me americanizei um bocado e fui ficando impessoal, evitando essa intimidade imediata que a gente estabelece no Brasil e, pelo visto também em toda a América espanhola.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

irritação

O que fazer quando se está num projeto por amor, mas esse amor some?
Quando o trabalho com o qual nos comprometemos
tomou rumos com o qual não concordamos?
Quando até decorar falas se torna uma tarefa irritante,
porque tudo parece ruim demais,
chato demais,
longo demais,
idiota demais?

Detesto me sentir assim.